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10 de novembro de 2025Por Marcos Ferreira*
O sistema de seguros brasileiro está atravessando uma das mais profundas reconfigurações da sua história recente. Sob a bandeira do Open Insurance, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) vem conduzindo um processo regulatório que promete reposicionar o setor dentro do ecossistema financeiro aberto, integrado ao Open Finance do Banco Central. Mais do que um avanço tecnológico, trata-se de uma mudança cultural — e, sobretudo, de uma redefinição de papéis. Nessa nova dinâmica, o corretor de seguros não é um agente a ser substituído, mas sim o elo de confiança necessário para traduzir dados em decisões, inteligência em proteção e liberdade em segurança.
A lógica do sistema aberto
O conceito de Open Insurance deriva diretamente do princípio de interoperabilidade que norteia o Open Banking — ou, em sua fase mais ampla, o Open Finance. A ideia é simples: permitir que o consumidor, titular dos seus dados, possa compartilhá-los entre instituições financeiras e seguradoras, de forma segura, padronizada e voluntária. Por trás dessa lógica, há uma revolução silenciosa. O que antes era um mercado baseado em assimetria de informação — onde as seguradoras detinham o conhecimento e o cliente dependia de intermediários —, passa a operar num ambiente em que os dados circulam com fluidez e transparência.
No Brasil, o projeto é supervisionado pela Susep, em articulação com o Banco Central, a B3 (responsável pela infraestrutura tecnológica) e com entidades representativas como CNseg, Fenacor e Febraban. Essa integração amplia a abrangência do sistema aberto e conecta o seguro ao restante da engrenagem financeira nacional.
Na prática, o Open Insurance é implementado em três fases. A primeira, de dados públicos, padroniza e disponibiliza informações sobre produtos, canais de atendimento e estatísticas do mercado. A segunda, de dados pessoais e contratuais, permite o compartilhamento de dados dos clientes entre seguradoras, sob consentimento explícito. E a terceira, de movimentação de serviços, viabiliza a portabilidade e a interoperabilidade de operações — como cotações, contratações, renovações e sinistros.
O novo território regulatório
O avanço regulatório conduzido pela Susep é uma das bases mais complexas já estruturadas no sistema financeiro brasileiro. Inspirada em modelos europeus e asiáticos, a autarquia definiu padrões técnicos de API, protocolos de segurança, regras de consentimento e responsabilidades de governança. O objetivo é garantir que a abertura de dados não fragilize o sistema, mas o fortaleça — e que o cliente mantenha o controle sobre o uso das suas informações.
No entanto, a dimensão estratégica da regulação vai além da tecnologia. Ao definir o dado como ativo compartilhável, a Susep muda o eixo de poder dentro do mercado. A informação deixa de ser um patrimônio exclusivo da seguradora e passa a ser um direito do consumidor. Isso cria um novo equilíbrio competitivo, forçando empresas a diferenciarem-se pela qualidade da experiência, pela personalização e pela confiança.
Para o corretor, essa mudança é tanto um desafio quanto uma oportunidade histórica. Pela primeira vez, ele poderá acessar dados de múltiplas seguradoras de forma integrada, analisar o histórico do cliente em tempo real e construir ofertas personalizadas com base em evidências concretas — não em percepções limitadas ou relacionamento isolado com uma única companhia.
O corretor no centro da transição
Durante décadas, o corretor foi descrito como o “elo humano” de um sistema essencialmente analógico. No entanto, o Open Insurance reposiciona esse papel: de simples intermediário comercial, o corretor passa a ser curador de dados e estrategista de proteção. Num mercado em que o consumidor pode comparar produtos com poucos cliques, o valor do corretor migra da intermediação para a inteligência. Ele será o profissional capaz de interpretar o contexto do cliente, traduzir dados brutos em necessidades reais e construir soluções que conciliem preço, cobertura e propósito.
Mais do que vender apólices, o corretor do futuro será um arquiteto de jornadas de proteção. E isso significa um salto qualitativo: de um modelo centrado em comissão, para um modelo orientado a serviço, assessoria e gestão contínua do risco.
A tecnologia não o substitui — ela o expande. Plataformas abertas permitem que o corretor acesse cotações automáticas, acompanhe sinistros e monitore a saúde do portfólio de clientes com precisão analítica. Enquanto isso, o relacionamento humano — empatia, confiança e senso de responsabilidade — permanece como o ativo mais difícil de replicar digitalmente.
Integração com o Open Finance
O ponto de convergência entre Open Finance e Open Insurance é onde se revela o potencial transformador do sistema. O compartilhamento integrado de dados bancários, previdenciários e securitários permite construir um retrato financeiro completo do consumidor. Isso possibilita, por exemplo, calcular exposições de risco mais realistas, oferecer seguros sob medida e cruzar dados de crédito com histórico de proteção.
Na prática, o cliente poderá autorizar o compartilhamento de informações de sua conta bancária com uma seguradora — e, em contrapartida, o corretor poderá oferecer produtos ajustados ao seu perfil financeiro, à sua capacidade contributiva e ao seu comportamento de consumo. Trata-se de um salto de eficiência que, se bem implementado, pode reduzir custos operacionais, aumentar a concorrência e elevar o nível de proteção na economia.
A B3, parceira tecnológica do projeto, tem papel central nessa arquitetura. É ela quem estrutura o diretório de participantes, o sistema de autenticação e as interfaces seguras de comunicação entre as instituições. Ao mesmo tempo, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) atua como o eixo de sustentação jurídica, garantindo que o compartilhamento ocorra com consentimento, transparência e rastreabilidade.
Desafios de adoção e maturidade
Apesar do potencial, o Open Insurance ainda enfrenta barreiras práticas. Muitas seguradoras resistem ao compartilhamento de dados, seja por razões técnicas, seja por estratégia competitiva. Outras ainda estão em fase de adaptação de sistemas legados e de reorganização das suas bases cadastrais. A padronização das APIs — embora avançada — exige interoperabilidade real entre diferentes arquiteturas, o que ainda está em maturação.
Do lado dos corretores, há também um desafio de qualificação. O domínio da leitura de dados, o uso de ferramentas analíticas e a compreensão do modelo regulatório passam a ser competências essenciais. Por isso, entidades como a Fenacor e as escolas de seguros vêm estruturando programas de capacitação focados no novo ambiente digital. Não basta conhecer o produto: é preciso entender o dado, o contexto e o valor que a informação pode gerar para o cliente.
A Susep, por sua vez, tem buscado equilibrar o rigor regulatório com a flexibilidade necessária à inovação. A criação dos “ambientes controlados de testes”, conhecidos como sandboxes regulatórios, permite que startups e insurtechs experimentem novos modelos de negócio com supervisão direta da autarquia. Esse movimento amplia o ecossistema e aproxima o corretor de um novo tipo de parceiro tecnológico.
Do produto ao ecossistema
Um dos aspectos mais relevantes dessa transformação é a mudança de foco: o seguro deixa de ser um produto isolado para tornar-se parte de um ecossistema de serviços. A jornada do cliente passa a incluir etapas integradas — prevenção, monitoramento, assistência e indenização — todas alimentadas por dados em tempo real.
Nesse contexto, o corretor assume uma função que transcende a venda. Ele se torna gestor da experiência de proteção, acompanhando o ciclo de vida do cliente e oferecendo suporte contínuo. Esse modelo é sustentado por plataformas abertas, que permitem ao corretor combinar produtos de diferentes seguradoras, ajustar coberturas dinamicamente e oferecer pacotes customizados conforme a evolução do perfil de risco.
A relação com o cliente, antes episódica, torna-se relacional e contínua. Em vez de falar com o cliente apenas na renovação, o corretor passa a dialogar com ele ao longo do ano, antecipando riscos, oferecendo serviços e agregando valor.
O corretor como curador de confiança
Num mercado em que os dados circulam com velocidade, a confiança se torna o ativo mais escasso. E é exatamente nesse ponto que o corretor reafirma sua relevância. Ao atuar como intermediário ético entre o cliente e o sistema, ele garante que o consentimento seja informado, que o uso dos dados seja legítimo e que o valor gerado retorne ao consumidor.
O corretor pode — e deve — ocupar o papel de curador de confiança digital, ajudando o cliente a entender os termos, escolher os parceiros e exercer o controle sobre suas informações. Ao mesmo tempo, essa função reforça o princípio central da LGPD: o titular dos dados é o verdadeiro dono das informações que o mercado utiliza.
A Susep, ao desenhar o modelo de governança do Open Insurance, reconhece esse papel indireto do corretor como agente de conformidade. A presença de intermediários qualificados reduz o risco de consentimentos indevidos e melhora a qualidade das interações entre seguradoras e consumidores.
Impactos competitivos e cenários futuros
O avanço do Open Insurance deve provocar uma reorganização estrutural no mercado. Seguradoras tradicionais tendem a investir em parcerias tecnológicas, em integração com fintechs e em modelos de negócios baseados em dados. Startups, por sua vez, encontrarão espaço para inovar com produtos modulares, dinâmicos e de rápida contratação.
Para o corretor, o desafio será combinar escala digital com profundidade humana. Ferramentas de automação, inteligência artificial e CRM permitirão operar com eficiência, mas o diferencial continuará sendo o aconselhamento, a leitura de contexto e a capacidade de traduzir riscos em soluções compreensíveis.
Num cenário ideal, o Open Insurance não elimina intermediários — ele os qualifica. O corretor que dominar o ecossistema de dados e compreender o valor do consentimento informado poderá oferecer algo que nem a máquina nem o algoritmo entregam: a sensação de segurança verdadeira.
Conclusão: o corretor como protagonista da confiança
O Open Insurance é, ao mesmo tempo, um projeto regulatório, tecnológico e cultural. Do ponto de vista da Susep, trata-se de alinhar o Brasil aos padrões internacionais de abertura de dados e de estímulo à competição. Do ponto de vista das seguradoras, é um movimento que exige investimentos, adaptação e novos modelos de relacionamento. Mas do ponto de vista do corretor, é uma oportunidade ímpar: a de reconstruir seu papel como protagonista da confiança num mercado em transição.
O corretor que compreender o Open Insurance não como uma ameaça, mas como uma infraestrutura de liberdade, estará preparado para atuar num ambiente onde informação é moeda, e confiança é valor. No fim das contas, o dado é apenas o meio — o fim continua sendo o mesmo desde o início do mercado de seguros: proteger pessoas, negócios e futuros.
* Marcos Ferreira é executivo com ampla trajetória na gestão comercial de seguros, atuando no desenvolvimento de novos negócios e na liderança de equipes multidisciplinares em operações complexas. Especialista em implantação de estratégias voltadas à expansão de mercado e à atração de corretores, possui experiência consolidada em gestão de filiais e estruturação de corretoras startup. Foi responsável por projetos com alcance internacional voltados ao mercado de Middle Market, otimizando processos comerciais e negociações com seguradoras. No comando de operações em grandes grupos como AGF, Liberty, Marsh, Generali e Seguros Unimed, consolidou resultados expressivos em crescimento e rentabilidade. Atualmente, é consultor estratégico em seguros patrimoniais e sócio na IJT Corretora de Seguros.




